Uma entrevista “sem pressa” com a múltipla Katherine Funke

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Jornalista, escritora, tradutora, editora e pesquisadora, Katherine Funke agora se apresenta também como compositora, guitarrista e cantora. A edição de dezembro da Revista Francisca aborda sua produção musical. Abaixo, a entrevista completa concedida à jornalista Marcela Güther. Na conversa, Katherine detalha sua história no jornalismo e literatura, e conta sobre as obras publicadas em sua editora, a Micronotas, que foca em produções independentes.

 

Que poema de sua autoria mais lhe define?    

Bah, um poema inteiro, não sei, mas tenho um verso do tipo aforisma que define um pouco como vejo sentido no fato de ser artista, escritora, compositora etc: “Escrever é reinventar nosso absurdo”, publicado em meu primeiro livro, “Notas Mínimas” (2010)

Conte um pouco sobre o seu trajeto profissional no jornalismo e na literatura.  

Do jornalismo, trago a experiência de ter trabalhado de 2004 a 2010 em redação de jornal diário, sempre impresso, e mais nos anos finais, também em revista semanal de cultura e rádio FM, e um pouco também em portal de notícias e WebTV. Trabalhei nos dois principais jornais de Salvador, onde morei até 2013. Com isso, coordenei um projeto vencedor do Concurso Tim Lopes de Jornalismo (2006), sobre impunidade em crimes de exploração sexual de crianças, e depois fiz parte de um projeto que foi finalista do Prêmio Esso de Jornalismo na categoria de criação gráfica (2009), uma reportagem em formato de HQ sobre a história da banda Novos Baianos.

Em 2010, comecei a ganhar incentivos para me dedicar inteiramente à literatura, tanto com a publicação do meu primeiro livro, por uma editora baiana chamada Solisluna. O “Notas Mínimas”, livro de contos bem sintéticos com algo de prosa poética, acabou me levando a uma imersão em criar e circular como escritora. No mesmo ano, fui contemplada com uma bolsa para escrever um romance a quatro mãos; então, fui passar um tempo na Chapada Diamantina para escrever. O livro não foi publicado, mas o fato de pedir demissão do emprego de repórter possibilitou me dedicar, logo na sequência, a outro projeto, que recebeu a Bolsa Funarte de Criação Literária e resultou no livro “Sem Pressa”. Considero o “Sem Pressa” uma transição bem clara do jornalismo para a literatura: apesar de os textos ali serem reportagens aprofundadas, são também exercícios literários no sentido da estrutura narrativa. Demorei para entender o que tinha feito, deixei tudo aquilo decantar. Só publiquei “Sem Pressa” agora em 2018, pela minha editora e com apoio do Edital Elisabete Anderle.

Do que tratam os livros que você já publicou?   

Além dos que já citei, tive um romance publicado pela Solisluna em formato de ebook, chamado “Viagens de Walter”, que recebeu a Bolsa Interações Estéticas da Funarte, e um conto produzido para uma ocupação artística de um prédio desenhado por Lina Bo Bardi, chamado Coatí, em Salvador. Este conto foi publicado em formato de zine por uma editora de Porto Alegre e se chama “Compra-se Sonho”. Nos dois casos, Salvador está bastante presente, bem como um questionamento claro do status quo e de tudo o que se faz mecanicamente, como seguir uma determinada opinião massiva ou adotar um preconceito como se fosse um pensamento original seu.

Depois, em 2017, fundei minha editora e passei a me autopublicar, sem medo de ser feliz. O primeiro foi “Lucida Sans”, um livro artesanal que mistura poemas e letras de música. Depois, “Coração de Galinha”, um conto que já tinha sido publicado na revista da editora Arte & Letra e também em alemão, em uma antologia editada em Berlim pela Klaus Wagenbach. Decidi publicar de novo, isoladamente e com ilustrações de Época Mouco, um artista “loucal” que admiro bastante.

Agora em 2019 tive um conto publicado pela editora Butecanis, de Balneário Camboriú. Chama-se “Nunca Fui Anjo, Nem Princesa”, e tem uma pegada parecida com “Coração de Galinha” e com meus contos que estão na antologia “Desordem”, porque faziam parte do mesmo projeto de livro: eu tinha planejado publicar uma série de narrativas breves em que as mulheres tomavam as rédeas das histórias. Para atender encomendas, acabei pulverizando partes do conjunto em várias publicações. Agora no segundo semestre de 2019 um saiu na antologia das edições K e outro na revista Palavra, lindamente editada pelo Sesc nacional.

Quais são as suas principais inspirações literárias?

São muitas e são mutantes, mas os mais presentes têm sido Angélica Freitas, Emily Dickinson, Paulo Leminski, Waly Salomão e Wislawa Szymborska. E contos, Sam Shepard, Raymond Carver, Katherine Mansfield e Alice Munro. Mas leio muito e quase tudo o que me cai na mão acaba me inspirando de algum jeito. No momento, estou lendo poemas e contos de Luci Collin, escritora de Curitiba que passou por Joinville durante a Semana Virginia. Estou apaixonada pelo ritmo da escrita de Luci, assim como pelo seu trabalho de tradução e pesquisa. Ela é uma grande inspiração no momento, bem como a Maria Valéria Rezende e, aqui de Santa Catarina, o Carlos Henrique Schroeder.

Como surgiu a Editora Micronotas? Quais foram os lançamentos mais significativos deste ano?

Considero todos os títulos do ano bastante especiais a seu modo, cada um em seu momento. Publicamos, afinal, apenas cinco títulos. Começamos o ano publicando “Juan Darién”, um conto de Horacio Quiroga publicado em um livro totalmente ilustrado e com capa dura, graças ao Edital Elisabete Anderle 2017. Esta obra reuniu o talento da ilustradora joinvilense Michelli Catarina com a qualidade da tradução feita por Byron Vélez Escallón, que é professor da UFSC. Depois tivemos dois títulos, que eram respectivamente os segundos livros de cada um dos autores, os poetas Eduardo Silveira e Maria Cecilia Takyama Koerich. O livro do Eduardo, “Tamanduá / Bandeiras”, foi um baita presente porque eu já era muito fã dele. A Maria Cecilia também nos presenteou mais uma vez com a oportunidade de fazer uma edição artesanal, com tiragem limitada, costurada à mão, e transformar a obra dela, que desta vez veio influenciada por Hilda Hilst, em um verdadeiro objeto de prazer sensorial. Lançamos estes dois livros na ReTina Feira de Arte Gráfica, no Instituto Juarez Machado, e obtivemos um retorno sensacional do público. Aí veio o gostosíssimo livro de receitas “Vida Saborosa”, da dona Nair Locatelli, que teve sua história de vida contada pela filha Mirtes. Em especial, destaco como foi significativo o evento de lançamento desta obra, lá na Livraria A Página, porque a Mirtes organizou um sarau com poesia, música e memórias exatamente como acontecia na casa da mãe dela, muito tempo atrás. Foi como voltar no tempo ou se conectar com algo infinito chamado paixão pela arte, paixão pela vida. Eu me sinto muito premiada, mesmo, de participar de momentos assim. O quinto e último título foi um artigo de Virginia Woolf chamado “O Cinema”, traduzido por Emanuela Siqueira, uma pesquisadora de Curitiba que nos honrou com a escolha da Micronotas para esta publicação. Fora isso, tivemos o prazer de espalhar os poemas de Giordano Bruno Lazzarecchi por bares e cafés de Joinville. Nós emolduramos os poemas e eles podem ser lidos no Neubar, na Bakken e no Salvador Café. Também fizemos um zine caprichado com uma seleção desta série, que chamamos de “Cada um com seus Poemas”.

Muitos dos escritores publicados pela Micronotas estão lançando seu primeiro livro. Quais outras características você observa em suas demandas e quais são os fatores que você mais prioriza para publicar uma obra?”

Publicamos poesia e ficção, basicamente; o livro de receitas e memórias de dona Nairfoi um ponto fora da curva. Em geral, priorizo a qualidade do trabalho e a disposição de realizar uma publicação que promova (em mim, em quem escreveu e em quem vai ler) o mais puro e intenso prazer de envolvimento com a obra. No momento, além desse trajeto ter sido a primeira casa editorial de algumas pessoas, destaco o prazer de termos sido escolhidos por escritores catarinenses de quem gostamos muito, como o Eduardo Sens, de Chapecó, e o Eduardo Silveira, de Joinville. E estamos focando bastante em literatura latinoamericana. Vamos publicar dois livros de escritores argentinos contemporâneos no começo do ano que vem, e eles, junto com “Juan Darién”, nos colocam diante de toda uma potência ligada à tradução literária.

Em tempos de livros digitais, por que optar pela encadernação artesanal, como editora?

Livros digitais são ótimos para disseminar conhecimento científico, livros informativos, assim como arquivar volumes para consulta rápida. Mas, para poesia e ficção, ainda não ganham do impresso. Poesia e ficção ficam melhor no papel, ainda, do que na tela. O papel promove maior concentração e um verdadeiro mergulho na leitura. Promove a desconexão com o ritmo veloz do mundo virtual. Nossa produção artesanal, que publica tiragens de até 100 exemplares a cada vez, também faz com que o autor tenha um produto exclusivo para seu círculo mais próximo de amigos e leitores. Valorizamos cada detalhe da escolha dos papéis, dos tipos de acabamento de capa e estilo de costura. Os livros artesanais ficam não só lindos, como se transformam em objeto de colecionador, posto que raramente fazemos segundas ou terceiras tiragens (vamos produzindo mais exemplares, sempre numerados, conforme a demanda ou por encomenda). Nós trabalhamos também com tiragens industriais para alcançar públicos maiores, e com isso temos alguns títulos em livrarias.

De que forma ocorreu a sua aproximação com a música?

Desde pequena, tenho contato com música. Em casa, meu pai foi violinista de orquestra, meu avô materno era regente de coral, minha avó materna era coralista; minha mãe toca piano, violão, e canta muito bem, e nós cantávamos alguma coisa quase todos os dias quando eu era criança, sempre em duas ou três vozes. Não sou a única afetada por esse ambiente familiar – tenho uma irmã graduada em Música pela Udesc. Não tenho uma formação acadêmica, nem mesmo clássica, na área. Comecei a ter aulas de flauta antes mesmo de entrar no ensino fundamental. Depois fui fazer aulas de outros instrumentos, separadamente. Fui morar em Salvador em 2003 e lá fiquei por dez anos. Neste intervalo, tive a oportunidade de aprender tocando com amigos muito especiais, com quem montamos uma banda autoral chamada Rádio Lombra. Com esta banda, pude cantar, compor e variar entre instrumentos como teclado, escaleta e flauta. Salvador é uma cidade muito musical e mesmo depois do fim da banda continuamos tocando com amigos, em jams e sessões informais.

Aqui em Joinville, tive o prazer de continuar tocando esporadicamente com amigos que têm a música como hobby, aos quais agradeço sempre, com destaque para o incentivo mais continuado que a escritora (e baterista) Melanie Peter me deu em 2016 e 2017, topando fazer ensaios regulares em estúdio, mesmo só sendo eu e ela, e com um repertório focado nas minhas músicas. De forma mais consistente, neste ano passei a integrar, em algumas ocasiões, a banda de shows de Marcelo Rizzatti. Mais conhecido por aqui talvez como guitarrista da Os Depira, o Rizzatti tem um trabalho autoral que conversa com um estilo de música que eu também gosto. Ele compôs duas músicas a partir de poemas do meu livro “Lucida Sans”, que são “Just a Garden” (em inglês) e “Vagalume” Essas duas canções estão no álbum independente “Recomeço”, que ele lançou em novembro, e do qual participo também como backing vocal. Nos shows, toco violão ou guitarra e canto também minhas próprias músicas.

Fiz um balanço e vi que tinha dezenas de composições ainda não gravadas. Percebi que era hora de começar a gravar, mesmo que bem devagar. Estou feliz de finalizar 2019 com duas delas já lançadas, “Convite” e “This is the Moment”. Aliás, aproveito a oportunidade para agradecer publicamente ao produtor Eduardo Douglas Rossi pelo cuidado dedicado a essas tracks. Sou muito grata a ele e ao Rizzatti por me apoiarem e me receberem tão bem. Também agradeço ao pianista Alberto Heller, lá de Florianópolis, ao baterista Mauro Rodrigues, que gravou a bateria lá em Salvador, e ao baterista Mauro Uhlig, que toca essas duas músicas nos shows aqui em Joinville. Não posso me esquecer de agradecer ao Igor Gaspar, da Oficina de Acordeons, que nos forneceu um instrumento tipo exportação para gravarmos “This is the Moment”. Quem quiser ouvir o resultado pode conferir as tracks gratuitamente no site soundcloud.com/katherine-funke.

Em relação à pesquisa e tradução, quais foram os seus principais trabalhos até então?

Sou mestre em Literatura pela UFSC com uma pesquisa que propôs ouvir um livro como se ouve um disco; o livro era “Cruz e Souza: O Negro Branco”, de Paulo Leminski, e o resultado está disponível em PDF para qualquer pessoa baixar na biblioteca da UFSC. Agora faço doutorado com o mesmo orientador, Joca Wolff, focado em um desdobramento do tema, ligado a narrativas de ficção em torno da história de vida e de morte das escritoras Katherine Mansfield e Emily Dickinson. Por causa deste trabalho, passei a traduzir Emily Dickinson, com foco em poemas que relacionam natureza e morte. Já fiz algumas ações em torno dessa série de poemas, reunindo-os em pequenos cartões, quadros, adesivos e lambes, em formato de publicação independente.

Como você teve a ideia de fundar o Coletivo Virginia?

No dia 25 de janeiro, aniversário da Virginia Woolf, a Patti Smith fez um post incrível no Instagram dela que me soou como uma conclamação às mulheres para se unirem e enfrentarem juntas as selvagerias do mundo capitalista. Como eu comecei o ano com muita vontade de compartilhar saberes e juntar forças com potências criativas, o post da Patti me colocou em movimento quase que instantaneamente. Na mesma hora, inventei um coletivo chamado Virginia e convidei algumas amigas. Também enviei uma chamada por meio do grupo de conversa do Leia Mulheres Joinville. Se não me engano, não demorou nem uma hora e já éramos mais de três ou quatro contaminadas pela ideia de fazer algo juntas no sentido de disseminar e promover a literatura feita por mulheres. Alguns dias depois, já nos reunimos nas Empadas Jerke pela primeira vez, e dali em diante tivemos um ano extremamente produtivo, com a oferta de oficinas gratuitas, a publicação de zines e também a realização Semana Virginia, com o importante apoio do Sesc, que sediou o núcleo do evento e patrocinou os cachês, assim como uma parceria com o Gajah Hostel, que hospedou as convidadas de Curitiba e sediou nossa noite comemorativa.

Quais seus planos para 2020?        

A vida é o que acontece enquanto fazemos planos, já dizia o John Lennon – se é que a frase não era na verdade de Yoko Ono (risos). Preciso decidir entre responder sua pergunta mais detalhadamente ou dar continuidade a cuidar da edição um livro em processo de criação de capa, a ser impresso em janeiro. Mas o que guia meus planos, em qualquer virada de ano, é a meta pessoal de contribuir minimamente para elevar espíritos de quem tiver contato comigo, seja com minha arte em texto ou em música, ou com livros que editei pela Micronotas

 

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