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24/06/2020*Ariane Lorena e Eduardo Pertile
ESPECIAL PARA FRANCISCA
Noventa e um, noventa e dois, noventa e três… A contagem dos dias em que as aulas estão suspensas nas redes de ensino federal, estadual, municipal e privadas se estende há mais de três meses. As atividades não ocorrem desde 19 de março, por conta da pandemia do novo coronavírus. No dia 1º de junho, foi divulgado um decreto estadual prevendo um possível retorno para 2 de agosto. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o distanciamento social é necessário para frear a curva de contágio por Covid-19. O período longe das escolas trouxe desafios àqueles acostumados com o modelo padrão de ensino, sejam educadores ou educandos.
O Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina (CEE/SC) aprovou a resolução número 009 sobre a paralisação já no dia 19 de março, três dias após anunciar que encontros presenciais seriam cancelados. O documento autorizou que atividades não presenciais contassem no calendário escolar em situações de emergência.
Para a mestra em educação e psicopedagogia clínica, Cristina Ferreira, a pandemia do novo coronavírus provocou educadores e instituições a se reinventar. “A educação é assim mesmo, em sua essência, histórica e política: ela se dá na relação educador/educando e se repensa todos os dias”, afirma. Mas mudar tanto e de forma tão brusca pode ser um desafio que leva tempo para ser cumprido.
Adaptação às aulas a distância
Instituições privadas ou público-privadas de Joinville, como Unisociesc, Inesa e Univille, tentam dar andamento ao calendário escolar com aulas por videoconferência. Já as públicas de Santa Catarina passaram a aderir às aulas não presenciais há algumas semanas. A Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) iniciou as aulas remotas dos 50 cursos de pós-graduação no dia 13 de maio, enquanto que as da graduação iniciam apenas no dia 22 de junho. Já a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ainda não tem prazo para retomar o conteúdo de forma on-line. A universidade está fazendo um levantamento para analisar quando alunos não têm acesso à internet e qual a melhor forma para dar os próximos passos.
O diretor regional da Unisociesc de Joinville, Flávio Sartori, informa que a instituição conseguiu se adaptar rápido à mudança, pois já trabalhava com o modelo de aulas híbridas, parte em sala de aula e parte no ambiente virtual de aprendizagem. “Como não houve um delay quanto à virada das aulas presenciais para o modelo on-line, conseguimos fazer essa transição sem prejuízo”, afirma. Professores ministram aulas on-line com softwares específicos para as áreas de comunicação, gestão e engenharias. Entretanto, nos cursos de saúde, a dificuldade é maior. “Temos uma carência de simuladores dessa área no mercado”, lamenta Sartori. Segundo ele, a reposição prática será retomada quando a sociedade voltar à “normalidade”.
O ensino por videoconferência representou uma espécie de fuga para alguns estudantes. “Aqueles que gostam de se sentar nos cantos da sala para ficar escondidos do trabalho, têm aproveitado e ficado ‘invisíveis’. Quando são chamados a se manifestar, arranjam alguma desculpa”, alega a professora e doutora em Engenharia e Gestão do Conhecimento Iandra Pavanati. A educadora ministra aulas tanto em cursos de graduação quanto de pós-graduação e afirma que o ensino a distância se comporta de formas diferentes. De acordo com ela, nas duas aulas presenciais que ocorreram antes da pandemia, os pós-graduandos apresentavam maior descaso, pois chegavam tarde ou saíam cedo demais. Agora, eles se mostram mais engajados com o ensino.
Já para os mais novos, que cursam sua primeira graduação, a situação é particularmente desafiadora. “Ensinei-lhes até a respirar, relaxar e meditar, porque ainda não sabemos se será seguro o retorno”, declara Iandra. A meditação é uma alternativa para quem busca diminuir o estresse e ansiedade, segundo a OMS.
Elzira Maria Munhoz é doutora em Educação, professora da Univille, e ainda está se acostumando com o método a distância. “Percebo dificuldades de várias naturezas. Desde aquelas relacionadas ao domínio dos recursos tecnológicos disponibilizados, a demanda por mais atividades paralelas à docência, como planejamentos, preparação de materiais adicionais, correção de individuais das atividades”, afirma ela.
Um fator que gera dúvidas durante o isolamento social é como ministrar aulas práticas. A professora de biologia afirma que trabalha com a perspectiva de exercer o que é prático quando as atividades retornarem. Mas, até que isso possa acontecer, resta usar alternativas. “Estamos com algumas estratégias de virtualização de componentes, como videoaulas, ou indicação de tutoriais e materiais disponíveis na internet”, afirma. A professora ainda se queixa de sentir desconforto por causa da quantidade de tempo em frente a um computador. Para driblar o problema, Elzira começou a fazer exercícios físicos e mais atividades manuais, como testar novas receitas na cozinha.
Essas dificuldades também afetam os estudantes. Rafaela Policarpo, estudante de História na Univille, não está contente com as aulas distantes das salas. “Parece que a gente não está aprendendo de verdade e, embora a maioria das pessoas envolvidas esteja fazendo tudo da melhor forma possível, não está sendo o suficiente”, lamenta. Além das aulas, Rafaela tem que lidar com as tarefas do seu emprego, uma vez que está em home-office. Para ela, não está sendo fácil conciliar esses setores com a vida pessoal, pois o entretenimento se mistura com trabalho e estudo, todos feitos por computador.
“Oito horas de trabalho, quatro de faculdade e, para lazer, as opções são jogar on-line com amigos, assistir a filmes ou vídeos, ou algo do tipo. Não se tem muitas opções do que fazer sem ser olhando para uma tela quando se fica sozinha. Todo esse processo acaba se tornando extremamente cansativo”, complementa a estudante.
A doutora em contabilidade e professora da Udesc Joinville, Adelaide Maria Bogo, alega que, neste período sem aulas presenciais, o professor deve confiar no comprometimento do aluno com a aprendizagem. “Será um fator condicionante para a adoção de técnicas de ensino”, complementa. Ela ainda apresenta uma visão positiva para quando o isolamento social acabar. De acordo com Adelaide, novas técnicas podem ser desenvolvidas, mas os valores, tanto de educandos quanto de educadores, também devem ser amadurecidos.
A professora Elzira Maria também prevê efeitos positivos para a educação pós-pandemia. “Acho que uma das boas consequências desta pandemia será a valorização do trabalho dos professores”, esclarece. Para ela, com a necessidade de auxiliar as crianças nos estudos, as famílias, indiretamente, valorizam o trabalho dos educadores. A docente traz um olhar otimista quando sugere que haverá uma visão mais atento do poder público às necessidades das escolas, principalmente nas públicas. Entre elas, componentes tecnológicos que apresentam uso intensivo no período de isolamento. Ainda declara que cada setor terá experiências positivas e negativas para relatar e que, segundo a professora, “se forem consideradas na tomada de decisão, poderão auxiliar a melhorar a educação como um todo”.
Em contraponto, Alex Bellucco do Carmo, doutorando em Educação em Ciências e professor da Udesc, está pouco empolgado com o cenário atual. “Os professores estão sendo pressionados a se adaptar, mas não está havendo esforço significativo em formação para tal situação”, aponta. Ele ainda complementa que os docentes necessitam ter vivência e prática com a tecnologia para poder ministrar aulas.
Ainda assim, o resultado não é o mesmo. Para Alex, a educação vai muito além da fala. Expressões, entonação e emoção são recursos que a tecnologia não consegue reproduzir. O professor concorda que o uso de ferramentas digitais pode ser um ótimo complemento, desde que haja planejamento e estrutura. “Na nossa realidade educacional, em que a inclusão digital ainda é muito distante, mesmo para professores, o cenário que se apresenta é desanimador”, lamenta. O docente complementa afirmando que prevê aumento da desigualdade social, pois “a maioria dos alunos, e mesmo docentes, não tem condições de ter um acesso estável à internet”.
Pesquisa realizada pelo do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), aponta que 58% dos domicílios brasileiros não têm acesso a computadores e 33% não tem internet em casa. “Muitas crianças nunca ligaram um computador e grande parte dos brasileiros acessa a internet pelo celular. Dessa forma, levar à frente as soluções de educação a distância se torna algo complicado principalmente para os grupos sociais mais vulneráveis”, ressalta a professora Cristina Ferreira. Sobre a falta de computadores ou notebooks nos lares brasileiros, Alex Bellucco frisa que os estudantes acabam usando celulares, algo que, na opinião do professor, não é proveitoso, pois considera os aparelhos móveis inadequados para a realização de atividades.
Sobre o assunto, o diretor da Unisociesc confirma que não houve adesão completa às aulas a distância, pois há alunos que moram em áreas rurais ou sem rede de internet na região. Mas Flávio informa que a instituição está fazendo o possível para que todos consigam acompanhar as aulas, disponibilizando equipamentos.
Para os alunos da rede municipal de ensino de Joinville, a Secretaria de Educação buscou meios de contornar o problema com materiais impressos e aulas via rádio. De acordo com a secretaria, o modelo de educação não presencial em Joinville está “estabelecido e em aprimoramento”. Após o cancelamento das aulas presenciais, a Secretaria de Educação da cidade utilizou 15 dias para montar o planejamento. Esse período sem aulas contou como recesso antecipado, que normalmente seria em julho. No dia 3 de abril, o modelo foi implementado e disponibilizado para todos os alunos.
Ainda não há previsão exata de retorno às aulas em todos os níveis de educação em Joinville. “O planejamento será feito após as liberações oficiais e protocolos sanitários definidos à liberação do trabalho”, afirma a secretária de Educação da cidade. Ainda de acordo com o órgão, os professores da rede pública, a equipe pedagógica e os gestores já receberam capacitação para quando voltarem as aulas presenciais.
Com o decreto 630, de 1º de junho, o governo de Santa Catarina manteve a suspensão das aulas até 2 de agosto para unidades das redes pública e privada de ensino municipal, estadual e federal, relacionadas a educação infantil, ensino fundamental, nível médio, educação de jovens e adultos (EJA), ensino técnico e superior. Caso haja ação conjunta dos secretários de Estado da Saúde e da Educação, o retorno às atividades presenciais em cursos superiores pode ser liberado a partir do dia 6 de julho. A decisão caberá às prefeituras em acordo com o Estado.
*Estudantes de Jornalismo produzem reportagem especial sobre educação para o site da Francisca
Os desafios das escolas, pais e professores em manter em dia as atividades pedagógicas durante o combate à pandemia pautaram a reportagem de capa da 9ª edição da Francisca, que está circulando. Na estreia da colaboração de estudantes de Jornalismo da UniSociesc, publicamos aqui matéria elaborada sob a orientação da professora Samantha Borges, trazendo outras referências e informações sobre o tema.