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O jovem Miles Babireski, nascido e vivido em Canoinhas, veio para a Cidade das Flores colher oportunidades em 2007. “Escolhi Joinville por ser uma cidade maior e porque já tinha amigos e parentes aqui”, diz ele. Em um show de “rock alternativo”, conheceu Luiz Carlos Molodowski. Conversas sobre música vão e vêm, e eles resolvem marcar um ensaio. “Então ensaiamos com o primo dele, depois o vizinho do primo, e foi lindo”, relata, descrevendo o nascimento de “Os Bacamartes”. A banda durou de 2009 a 2014, com diversas formações e apostando em variantes do rock, como Jovem Guarda, folk, pop e indie. “Lançamos dois EPs e alguns singles”, lembra o compositor. Desse período, ele ainda traz influências musicais e o nome: “Baca” é por causa da banda Os Bacamartes. “O pessoal dizia ‘chegaram os Baca’, aí continuou para facilitar”, esclarece.
Com o término da banda, Miles foi cuidar da vida. “Depois de anos, escolhi dar uma descansada e me planejei para voltar a lançar materiais em 2016”, relata, sobre o ano em que assinou “A última canção”. Felizmente, não era a última. Em 2020, Miles trouxe dois novos singles “Laia Azul” e “Ainda Sobre Ontem à Noite”. “’Laia Azul’ foi feita no inverno de 2010 e mudou muito de lá pra cá: tom, andamento, estrutura”, comenta. “Ainda Sobre Ontem à Noite” foi composta no segundo semestre de 2020. “Praticamente terminei a música, chamei o Uber e fui para o estúdio”, conta. A canção “Ainda Sobre Ontem à Noite” foi escrita em parceria com Guto Ginjo, da banda Fevereiro da Silva. Além de Ginjo, para o produto final desse single, foram importantes Tiago Luis Pereira, da banda Mosaico Adulto, e Rafael Longo. “O Rafael foi enfático e certeiro em vários pontos: me incentivou a gravar, convenceu-me de que era música de bateria e não de percussão”, diz. “E o Tiago, um cara que faz tanto pela cena da cidade, já tinha gravado a bateria de ‘Laia Azul’ e fez a bateria de ‘Ainda Sobre Ontem à Noite’ também’”, explica. “E não dá para deixar de citar o trabalho do Júlio César, do Wecando Estúdio, que facilitou bastante o processo e para os resultados serem os melhores possíveis”, diz, finalizando a ficha técnica de parcerias que contribuíram nesse seu retorno as gravações.
Conversamos com o bacana Miles Baca sobre os singles e os vídeos lançados no ano passado. Confira os detalhes por trás dos clipes e das canções.
A locação de “Laia Azul” é muito bonita, com aquele ipê-amarelo. Onde foi gravado o vídeo? E fale um pouco também sobre a letra da música fixada nos quadrinhos, que é outro charme do clipe.
Foi gravado no condomínio onde morei de 2016 a 2020, no bairro Anita Garibaldi. Já estava fazendo clipes “em casa” muito antes da pandemia. Eu brinco que eles são “Lyric Vídeos Analógicos”. O de “Laia Azul” foi a soma de duas ideias: um vídeo com letras nos quadrinhos e clipe no jardim. Mas isso nunca saía do papel. A cada ano que o ipê florescia, eu pensava: “No ano que vem, vou fazer um clipe aqui no jardim”. Até que o Luiz Carlos, amigo da primeira formação da banda e que hoje tem um belo trabalho de fotógrafo na Molô Fotografia, apareceu e deu esse presentão. Não só estruturou, mas potencializou e materializou como ninguém as ideias primárias que eu tinha. Se não fosse ele o vídeo estaria na gaveta ainda. Foram alguns encontros esporádicos, meses antes de gravar. Tinha a tensão de nunca sabermos em qual semana o ipê iria florir, quantos dias iria durar e em quais dias as flores cairiam para formar o “tapete amarelo” no chão. O vídeo de “Laia Azul” foi gravado final de 2019, mas foi editado em abril do ano passado pelo Juliano Malinverni e lançado em maio de 2020.
O vídeo de “Ainda Sobre Ontem à Noite” é cheio de detalhes. Tem umas brincadeiras visuais com os pontos (ponto final, ponto de exclamação etc.) que complementam a letra da música (fazendo o espectador pensar se foi um ponto final na relação ou não). E, também, quando você aparece e não canta e a letra diz “sigo em silêncio”. Fala um pouco sobre esses detalhes do vídeo e sobre a história da máquina de escrever que aparece escrevendo a letra da música.
Como estamos em pandemia, tempo é o que não faltou para pensar em brincadeiras visuais para cada frase e inserir metalinguagem. O principal objetivo dessas intervenções era tirar a seriedade e densidade da letra. Foi legal que recebi feedbacks com coisas que eu nem tinha pensado. Acho que funcionou. No lance dos pontos, especificamente, me lembrei de um trecho do “Regurgitofagia” [espetáculo teatral] de Michel Melamed que diz: “se me falam ‘ponto’, pode ser final, g, nevrálgico, de encontro, de macumba, facultativo, de crochê, de ônibus, pacífico, de equilíbrio, aquele cara que segura a fecha dos atores, de exclamação, interrogação, de ebulição, morto, zero…”. Sobre a máquina de escrever, a cada vez que eu ia lá na casa da mãe, via a máquina esquecida e tinha medo dela sumir ou ser doada. Até que trouxe a máquina para Joinville e dei uma geral num especialista. Hoje, funciona ‘100%. E agora minha mãe, pelo YouTube, já descobriu que fim levou a Olivetti!
A canção “Ainda Sobre Ontem à Noite” é bem o que a letra diz: “depurando emoções”, “deixa eu acrescentar mais um centavo”. É o day after. Qual foi sua inspiração para essa canção”?
Sim, ela é muito, muito simples e direta. Seu DNA é bem folk, cru. Não tem introdução e intencionalmente quase não tem respiro, fazendo jus ao título. Uma das inspirações pode ser a tentativa de satirizar nossa tendência de querer resolver as coisas majoritariamente por meio da linguagem discursiva e com mil narrativas. De como a gente é analfabeto para a linguagem do silêncio e da energia. Cada vez que vem um respiro pequeno na música, logo em seguida o personagem aumenta o tom, a banda e os argumentos. Até que, na última estrofe, ele percebe que o caminho do silêncio é o mais saudável, entrega os pontos e enfim deixa a guitarra e órgão falarem por quatro compassos! No caso dessa música, o grande barato não é tanto ver de onde veio mas sim pra onde ela nos leva. No campo musical a referência maior foi a versão do “The Growlers” [banda norte-americana] para Lonely This Christmas [canção dos anos 1970 do grupo inglês Mud].
“Laia Azul” também é sobre esses momentos de reflexão. “As grandes verdades a gente descobre sozinho”, diz a letra. Suas canções parecem ser desabafos e cura ao mesmo tempo, como se estivesse se curando ao violão. Você também entende dessa forma?
Vale muito para essas duas músicas, parecidas entre si. Mas escrevi outras bem mais leves e menos analíticas. Logo vai pintar um bolero muito latino com trompete e tudo! No campo musical, quero muito rumar para algo na linha que a banda [de Porto Alegre] “Dingo Bells” faz, tentar trazer isso para minhas possibilidades. O start de “Laia Azul” foi que eu estava num evento com a banda, mas com a cabeça e o coração em outro evento e lugar. Numa bateria precária havia escrito: “Laia Azul”, que era o nome de uma das bandas presentes. Achei uma expressão muito rica pois o azul é ligado ao sublime, celestial, tem também a associação ao sangue azul da nobreza. E laia a gente tende a usar como pejorativo “não sou da tua laia”! Achei um baita título e guardei. Depois, fiz a letra. Tentei incluir a canção na banda [Os Bacamartes], mas não rolava. Era muito lenta e triste para o ambiente. Ficou “pra depois”. Como gosto muito dela, foi a música que escolhi para esse “voltar à ativa” de 2020.