Música, Pedal e Histórias

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O processo de pesquisa dramatúrgica do espetáculo Mestres do Tempo

por Ângela Finardi e Prika Lourenço

Viajar de bicicleta encontrando pescadores. Foi a proposta sustentável que eu e a Prika pensamos para falar da importância do mar e dar visibilidade aos pescadores artesanais, no novo espetáculo da metamorfose Cia Cênica, Mestres do Tempo.

Uma cicloviagem exige planejamento, que se coloque nos alforjes apenas o estritamente necessário e que se tenha abertura para o desconhecido. Nossa viagem tinha um propósito: encontrar pescadores e pescadoras artesanais e conhecer suas histórias para montar a dramaturgia de Mestres do Tempo, um espetáculo teatral. Nos alforges, duas bermudas cada uma, duas blusas de manga longa com filtro UV, roupas íntimas, uma roupa “de sair” que fosse bem fininha para não pesar muito, materiais de higiene pessoal e materiais de manutenção da bike… Tudo junto de uma dose de coragem e uma curiosidade e alegria imensas, afinal, estávamos no início da pesquisa que mesclava coisas que amamos: viajar de bicicleta, imersão na natureza para conhecer histórias e fazer arte. Foi assim que eu e Prika demos início aos setecentos quilômetros, percorrendo todo o litoral catarinense em 10 de janeiro de 2023.

Acabamos nos tornando pescadoras de histórias, torcendo para que “o mar estivesse pra peixe”, nestes dias.
Levamos as bikes no carro até Torres e deixamos o carro na casa de amigos. Na noite anterior à cicloviagem, dormimos em uma pousadinha em Passo de Torres: ali, um bom presságio. Na recepção, as máscaras da tragédia e da comédia. A dona da pousada ao saber do pedal, conta da irmã que largou uma vida estressante e se transformou em guia de cicloturismo e estava muito feliz. O marco inicial foi em frente ao monumento do pescador, em Passo de Torres, onde lemos: Por este passo, em águas rasas, transitaram bichos e homens, todos andejos, sem marca e sinal. Eram índios, negros, brancos, todos fazedores da pátria. O que permaneceu como raiz foi o pescador, que fez família e matou a sua fome com o que vem das águas. (Joaquim Moncks).

Apesar da euforia com a estátua, não encontramos nenhum pescador por lá… A associação estava fechada e descobrimos, com o dono do mercadinho que ficava ao lado, que todos estavam em alto mar, pois naquela região era época do defeso. Íamos, dia a dia, nos comunicando com o Marco Vasques (dramaturgo) e o Silvestre Ferreira (nosso diretor) que acompanhavam à distância. O Marco havia mapeado, com a Prika, todas as colônias de pescadores. Assim fomos passando, uma a uma, até Arroio do Silva. Nada de pescadores. Apenas muita estrada de chão cheia de costeletas, sol e vento. Fizemos uma parada na lagoa da Tapera, tomamos um banho para refrescar, enquanto saía o pastel com caldo de cana, e tivemos uma aparição inusitada: um vendedor daqueles travesseiros “da NASA” queria que levássemos dois na viagem para dormirmos confortavelmente.

Em meio à frustração de pedalar 65 km sem encontrar um pescador sequer, paramos em um mercadinho para comprar água. Para nossa surpresa, redes de pesca penduradas na janela revelavam que ali morava um pescador. O Seu Martinho, do Rincão nos recebeu muito bem. Esperava sentado pela recuperação da cirurgia nos rins, enquanto o irmão consertava redes. Seu Martinho foi andarilho por cinco anos. No seu mercadinho, tinha de tudo, até palquinho com violão. Vontade de ficar alguns dias ouvindo as suas histórias, pessoa adorável. Entrevistamos 24 pescadores, mas aqui vamos elencar apenas alguns e esperamos que as pessoas estejam curiosas para assistir ao espetáculo.

No Balneário Rincão a Prika quase foi atropelada, embora estivesse seguindo todas as regras de trânsito, mas um motorista irritado com a lentidão das bicicletas chegou a encostar o para-choque nela. Paramos um tempo para nos recuperarmos do susto e pensamos por qual motivo se tem tanta pressa e irritação diante de uma paisagem linda, em pleno janeiro, verão, praia… Enfim, seguimos.

De Campo Bom, seguimos viagem até o Farol de Santa Marta, onde encontramos o Jairo, pescador amigo da Prika, que tem uma pureza no olhar indescritível. Jairo contou sua história com a pesca falou da importância do mar para ele. Registramos em vídeo e no coração. Na Barra de Laguna, encontramos os pescadores que pescam com o auxílio dos botos. O Chokito, o Erê, o Jean e o Mala, que estavam embaixo das árvores, com os olhos fixos na barra aguardando os botos, nos receberam super bem quando contamos que estávamos de bicicleta pescando histórias. A pesca com botos é considerada patrimônio cultural e é incrível o trabalho de cooperação entre botos e homens.
Seguimos de Laguna a Garopaba. Depois de um temporal no caminho, dormimos em Garopaba, na Simone, amiga da Prika, que nos deu um banho de mangueira a nosso pedido para que pudéssemos entrar na casa dela. Era muita lama… De Garopaba para Floripa, resolvemos evitar o Morro dos Cavalos. A Prika já tinha subido duas vezes e achava perigoso. Quis me proteger. Pegamos um barco na Ponta do Papagaio, em Palhoça, com destino a Caeira, sul da ilha. Um passeio lindo e o encontro com uma Florianópolis das antigas…

Vegetação exuberante e a sensação de vilarejo, muito embora a água mineral ali fosse uma fortuna. Trocamos o pneu embaixo de chuva, em um ponto de ônibus e fizemos um amigo cicloturista ao ajudá-lo com um remendo de pneu: Sheldon, de Blumenau, que nos acompanhou até a Lagoa da Conceição. Neste dia, já havíamos pedalado mais de 100 km e subir o morro da Mole para chegarmos à Barra da Lagoa foi dureza. O Marco Vasquez, nosso amigo dramaturgo nos esperava por lá, junto do Seu Veco e do Silvano. O Seu Veco é o pescador mais antigo da barra da Lagoa e pesca há mais de seis décadas.

Ouvi-lo é ter uma aula sobre os ciclos da lua e sua influência nas marés, a migração e o tempo de cada peixe, a grandeza do mar e sua relação íntima com a terra. “O mar ajuda a terra a respirar”, fala ele de forma simples e cheia de sabedoria sobre a importância dos recifes de corais. Lá ouvimos diversos pescadores com histórias incríveis. Em meio ao processo de montagem soubemos que o barco do Seu Veco havia naufragado ao tentar ajudar a salvar o bote do seu filho, e resolvemos fazer uma vaquinha, afinal, sabermos da importância da pesca para o sustento do seu Veco e de toda a sua família.

Pescar é a vida dele, assim como a vida de Dona Naca, pescadora de Canto dos Ganchos, de 72 anos e que ainda pesca. Mulher que criou os cinco filhos pescando e que sabe até arrumar o motor do seu barco, Dona Naca diz que “o dia em que eu não puder mais pescar, que Deus me leve”. Dormimos na casa dela a convite dela e nossa vontade era passar o resto da semana por lá ouvindo suas histórias. Não damos conta de escrever em poucas páginas tantas histórias incríveis vividas per estas pessoas que estão em conexão tão íntima com a natureza, que amam o mar e para as quais a natureza é imprescindível. Creio que seja para todos nós, mas costumamos nos esquecer. Sempre que estamos sobre duas rodas, sujeitas ao clima, sentindo o chão sob nossos pés e as diferentes texturas, o sol e o vento, parece que lembramos melhor, que somos parte da natureza. E é isso que desejamos que as pessoas sintam ao assistirem Mestres do Tempo, no teatro.

 

Dez coisas que aprendemos nesta cicloviagem:
1 – A carregar apenas o que o nosso corpo suporta, diminuir bagagens
2 – Depois de toda subida difícil tem uma descida, e vice-versa. Tudo muda o tempo todo
3 – Se só pensarmos na chegada, perdemos as maravilhas do percurso
4 – Cachorros adoram bicicletas
5 – É importantíssimo saber trocar pneu e entender de mecânica básica
6 – A dor nos ísquios passa. Tudo passa
7 – Sempre tem pessoas boas no caminho
8 – Cuidado com calçadas compartilhadas. Podem ter bueiro aberto
9 – Pode ser um ótimo treinamento para a atuação porque é necessário estarmos presentes, atentas e conectadas o tempo todo;
10 – Somos parte da Natureza e essa conexão é incrível.

 

Sinopse: Mestres do Tempo é um espetáculo de teatro, com formas animadas e canções, que trata de histórias de pescadores e pescadoras artesanais de Santa Catarina. A dramaturgia, criada a partir de uma viagem de bicicleta das duas atrizes por 700 km do litoral catarinense visitando vilas de pescadores, tem o intuito de honrar as histórias a elas confiadas, que dentre outras coisas, nos fazem lembrar que somos parte da natureza.
Classificação indicativa: 12 anos
Duração: 50 minutos
Site do espetáculo: https://www.metamorfoseciacenica.com.br/mestres-do-tempo
Instagram: @metamorfoseteatro
Facebook: https://www.facebook.com/metamorfoseteatro

Ficha Técnica:
Elenco e Produção: Ângela Finardi e Prika Lourenço
Direção: Silvestre Ferreira
Desenho de dramaturgia: Marco Vasques
Cenografia, Figurino, Criação/confecção de bonecos: Fábio Nunes Medeiros
Assessoria em animação de bonecos: Willian Sieverdt
Designer Gráfico: Iago Sartini
Iluminação (criação e operação): Flávio Andrade
Trilha sonora: Prika Lourenço
Operação de som: Vinicius Ferreira
Assessoria de Imprensa: Rubens Herbst
Registro Fotográfico: Rodrigo Chaves, Manu d’Eça e Oswaldo Rodaski
Registro Audiovisual: 03 Filmes
Produção Local: Sandra Checluski Souza (Florianópolis) e Nena Kirinus
(Itapoá)

Datas e locais:

Joinville (pré-estreia)
Local: Galpão de Teatro da AJOTE.
24/8 às 20h.
Ingressos gratuitos 1 h antes na bilheteria

Florianópolis (estreia)
Local: TAC – Teatro Álvaro de Carvalho
21/8 às 20h
Ingressos gratuitos 1h antes na bilheteria

Itapoá
Local: Associação Comunitária do Pontal e Figueira
31/8 às 19:30h
Ingressos gratuitos 1 h antes na ACOPOF

Acessibilidade: intérprete em LIBRAS em todos as apresentações.

Apoio: Fundação Catarinense de Cultura, Governo de Santa Catarina, Univille, Marte Cultural, Escola de Música Tocando em Frente, Agência Aquele Trio
Patrocínio: Armacell e Porto Itapoá
Realização: Metamorfose Companhia Cênica; Ministério da Cultura, Governo Federal – União e Reconstrução.

Este espetáculo é viabilizado pela Lei Federal de Incentivo à cultura.

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