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Apesar de ter menos de 50 anos, já estou na minha segunda pandemia. Na época do H1N1, nos adaptamos rapidamente e pensávamos que nada mais grave poderia ocorrer. Engano. O mundo continuou tendo suas mazelas aumentadas e a conectividade entre as nações cresceu a um nível nunca visto até então. Daí que, assim como na pandemia com a infecção viral, a informação boa e ruim chega rápido, não podendo muitas vezes ser retificada.
Outro dia, recebi no consultório um senhor, após a internação pela covid-19. Bem-sucedido, esposa carinhosa e com casamento da filha estudante de medicina marcado para 2022. Por motivos de ordem pessoal, ainda estava sem a vacina. Em sua internação, não teve a chance de fazer algumas medicações por já estar com pneumonia bacteriana associada ao caso, e o risco de evolução ruim era grande. Família aflita, sofrimento crescente, até o dia em que necessitou ventilação mecânica. O desespero tomou conta de todos: filha quase médica com vestido de noiva encomendado e sem saber se o pai sairia do hospital.
Horas, dias, semanas se passaram até o dia em que pude falar pessoalmente com meu paciente. Agora no quarto de enfermaria, lágrimas nos olhos, agradecido, mas com ar de culpa pelo sofrimento causado à família por ter adiado a vacinação. Senti que não se vacinara por puro descuido – mas o resultado final foi o mesmo, ele quase morreu. Há vários casos assim, alguns com desfechos felizes, outros não, o sofrimento indescritível. “Gostaria de dizer que amava meu pai, mãe, irmão, cônjuge. Não deu tempo. A covid chegou antes”.
A vacina mudou a evolução da pandemia. Não teremos como nos ver livres do vírus. Continuaremos registrando novos doentes por um bom tempo, uma vez que a vacinação ajuda muito, mas não consegue evitar 100% dos casos. Nosso sistema imune terá que se adaptar ao vírus. Somente quando todos tivermos anticorpos em nível alto por infecções ou vacinação de repetição, a crise terá passado. Já está provado que imunidade de rebanho sem vacinação efetiva aumenta a mortalidade. Não aconselho aos “cabeçudos de plantão” tentar provar o contrário.
Não é apenas no Brasil que há questionamentos sobre a vacinação. E não é por acaso que, nos lugares menos vacinados, temos mais casos graves e UTIs mais cheias. Estados Unidos, Polônia, Letônia, alguns países da Ásia e Rússia amargam aumento nas estatísticas. A dúvida sobre possíveis efeitos da vacina a longo prazo não se sustenta. Até onde vai o direito de não se vacinar e colocar a comunidade em risco? Está ocorrendo um revés da lógica de proteção coletiva em grupos minoritários que fazem barulho e contaminam as pessoas menos informadas.
A falta de coerência nos argumentos é trocada pela ofensa e bombardeio de fake news, novo nome dado a mentiras. Elas sempre existiram e já foram motivo para guerras, queda de governos e instabilidade social. Dominará as novas gerações quem tiver conhecimento e argumentos para convencer as pessoas a agir corretamente. O bem coletivo deve suplantar os benefícios pessoais. Pensar no outro e não fazer aquilo que não gostaria que fizessem com você é um bom começo. Aí chegamos ao uso da máscara, que tem um papel incrível na pandemia. Mesmo no meio médico, no início, havia controvérsias sobre quando deveríamos usá-la. Hoje, convencido de sua eficácia quando associada a outras medidas, não sei quando poderei tirar a máscara em meu consultório ou dentro dos hospitais. Até já esqueci de tirar minha N-95 na hora do banho.
Os maiores problemas na disseminação da covid-19, além da aglomeração, são as microepidemias familiares. A pessoa chega em casa com covid, não sabe que está infectada e infecta todos que moram com ela. Como quebrar essa cadeia? Se um jovem leva para casa e o avô pega, mesmo vacinado, provavelmente o idoso evoluirá de maneira diferente. Mesmo vacinados, necessitamos de cuidados mínimos de distanciamento familiar e evitar aglomerações desnecessárias. O assunto deve perdurar por algum tempo, e, em meados de 2022, teremos outros dados, com o tempo longo de vacinação. Mas alguns grupos, sim, terão que ser revacinados.
Para algumas profissões, o mundo pós-covid não voltará ao normal. O home office veio para ficar. As mudanças que misturaram trabalho com atividades domésticas causaram alguns transtornos, a tal ponto que muitos preferiram voltar ao ambiente corporativo. Empresas cobram horários e compromissos em momentos que a estrutura familiar não permite adaptações, o que gerou estresse. Ao mesmo tempo, o menor gasto das corporações na manutenção permitiu um alívio na saúde financeira em épocas de menor produção. A maneira ideal de resolver o impasse é muita conversa e turnos rigorosos, permitindo que esse novo modelo seja mantido. A gestão de pessoas precisará de auxílio, não só visando à maior produção mas também ao bem estar do colaborador.
Sou otimista por natureza. Já estamos melhores que há seis meses. A tendência de casos é diminuir, se mantivermos o ritmo da vacinação. Acredito que campanhas de orientação contínuas, poder do convencimento com ética e tentativas de aumento da credibilidade da informação médica de qualidade são as melhores armas para o controle da pandemia. Passaremos por esta. Estarei vacinado, quantas vezes for necessário. Usarei máscara, até ter certeza de que não necessito mais dela. Continuarei pensando no outro, muitas vezes mais que em mim mesmo, para dar a melhor assistência médica possível. Peço desculpas à minha família por não estar junto dela por mais tempo, mas tenho a necessidade de servir, e isso me completa e me enche de energia. Somos fortes juntos e necessitamos uns dos outros. Ser humano deveria significar tolerância, compaixão e amor. Acredito na vida, sempre.