Saúde mental: combata a “pandemia da ansiedade”  

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Alcides Guerra, especial para Francisca

A pandemia da covid-19, que completa dois anos, produziu uma ansiedade coletiva em escala mundial. Temos necessidade de prever e controlar o futuro. Quando não é possível, ficamos inquietos, angustiados. Por estarmos diante de uma enfermidade até então inédita, a falta de conhecimento nos tornou hipocondríacos, monitorando sintomas diferentes em nosso corpo, com medo de contrair o vírus e morrer ou ficar com sequelas graves, além de transmitir aos nossos entes queridos e perdê-los.

Surgiram especulações sobre tratamentos preventivos e sobre o que deveríamos fazer no caso de contaminação. Inúmeras fake news foram divulgadas, dizendo que o vírus teria sido criado em laboratório, com a finalidade de dominar o mundo economicamente (como uma 3ª Guerra Mundial com armas biológicas). Instalou-se, assim, uma paranoia em várias partes do planeta. O presidente brasileiro passou a espalhar uma grave negação, sustentando que era só uma “gripezinha”, que só atingiria os frágeis de saúde, e que seriam desnecessários o isolamento social e o uso de máscaras. A preocupação econômica de alguns governantes e empresários prevalecia em relação à saúde pública.

A falta de sintonia entre os gestores públicos retardou as medidas efetivas de controle da pandemia. Com isso, os números aumentaram de forma alarmante. A ansiedade tornou-se crônica, gerando estresse, que acaba derivando em esgotamento. Com isso, foi se instalando uma depressão reativa coletiva, pois muitos perderam parentes e amigos, outros perderam empregos, outros tiveram que fechar suas empresas. Os que contraíram covid e sobreviveram enfrentariam sequelas sérias, levando à depressão. Aqueles que já tinham transtornos emocionais sentiram que estes se agravaram.

Professores passaram a trabalhar mais, com o ensino remoto. Crianças e jovens que gostam de frequentar a escola passaram a ficar entediados com a falta de socialização. Muitos deixaram de aprender, porque fingiam estar assistindo às aulas e enganavam pais e professores. Pais ficaram sobrecarregados por ter que responder um pouco pela função dos professores. Uma roda-viva, enfim.

Nos lares, com a convivência contínua, exacerbaram-se problemas relacionados à educação dos filhos. Multiplicaram-se as brigas entre irmãos e os conflitos conjugais, levando a mais divórcios. Para compensar o estresse e a depressão, muitos recorreram a “autotratamentos”, abusando de comida, álcool, drogas, jogo etc.

Essa enorme mudança de rotina fez as famílias adoecerem devido a incertezas quanto ao futuro do emprego, do negócio próprio, da educação dos filhos e da própria doença. O vírus foi sofrendo mutações, com novas ondas de contágio, causando uma “fadiga pandêmica”, segundo a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) – já são dois anos de pandemia e não vemos um fim.

Emocional x físico

Como mente e corpo estão intrinsecamente ligados, os transtornos emocionais passaram a contribuir no aparecimento de doenças físicas, mas muitas pessoas não procuraram os serviços de saúde por medo de se contaminar. Muitos, também, perderam renda e plano de saúde e passaram a recorrer ao SUS, que se sobrecarregou. Ao mesmo tempo, os profissionais de saúde, trabalhando em excesso, adoeceram física e emocionalmente. Inúmeros contraíram covid e até perderam a vida por estar expostos a alta carga viral. Pacientes com doenças crônicas interromperam seus tratamentos. Cirurgias foram canceladas.

Os transtornos emocionais mais prevalentes na pandemia foram ansiedade e depressão. A ansiedade é desencadeada por pensamentos catastróficos sobre o futuro, medos imaginários (errar, ser traído, adoecer etc.), mesmo que racionalmente seja difícil de algo assim se verificar. Isso faz nosso corpo produzir adrenalina (igual ao que ocorre quando estamos diante de um perigo real). Essa situação ativa o sistema nervoso autônomo, podendo gerar coração acelerado, falta de ar, enjoo, diarreia, nó na garganta, boca seca, tontura, tremores, calorões e calafrios, entre outros sintomas.

A ansiedade pode se manifestar em diversas formas: fobias, crises de pânico, estresse, Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), “crises de nervos”, somatizações (sintomas físicos). Por exemplo, na pandemia, quem tem TOC relacionado com higiene, limpeza, medo de contaminação, exacerbou esses sintomas.

O tratamento da ansiedade consiste em medicações (fitoterápicas, mais fracas; benzodiazepínico – calmante ”faixa preta”, mais forte, que pode provocar dependência;  ou ainda os antidepressivos, que não causam dependência), relaxamento e meditação, distração, usar a razão para combater a emoção do medo (buscando provas para confirmar se há possibilidade mesmo de acontecer o pior e quais os recursos que temos para enfrentá-lo).

No que se refere à depressão, existe a depressão reativa, que é um episódio passageiro ao qual todos estamos sujeitos, e a depressão crônica e persistente, cuja origem é a herança genética e a história de vida marcada por grandes sofrimentos. Toda depressão pode ser leve, moderada ou grave (a maioria não passa de moderada, não se agrava, não leva à “loucura”). A depressão grave ocorre se houver herança genética (por exemplo, transtorno bipolar) ou se acontecer algo bem grave como perder um filho. Os sintomas são tristeza, choro fácil, desânimo, falta de energia, falta de concentração, pensamentos negativos sobre si, sobre a vida, o futuro e o passado, alterações significativas de sono e de alimentação, isolamento e irritabilidade.

A medicina explica que a causa biológica é a falta de endorfinas no cérebro (neurotransmissores). Podemos regularizá-las com antidepressivos, com atividades físicas, dormindo bem, fazendo o que gosta, alimentando-se de forma saudável com alimentos que contenham triptofano.

A distração nos ajuda a não ficar presos aos pensamentos negativos. Também podemos corrigi-los, como nos ensina a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) criada por Aaron Beck. Além disso, precisamos resolver os problemas que causaram ou mantêm a depressão (de preferência, com ajuda de psicoterapeuta).

Por fim, para mantermos em dia nossa saúde mental nesse período desafiador da pandemia, podemos considerar alguns conhecimentos filosóficos, como levar em conta que nada é permanente (a fase ruim vai passar). Devemos tirar um ensinamento desse sofrimento para evoluir individual e coletivamente. Devemos usar a razão para discernir o que podemos mudar ou não, aceitar o que não temos o poder de mudar e persistir em mudar o que é possível.

Algumas dicas importantes: cuidar da nossa espiritualidade, praticando a caridade material e moral (tendo empatia para com os outros); aos pais, que aproveitem para brincar com seus filhos pequenos; que cada um procure desenvolver algum hobby saudável para se distrair e se realizar, em vez de abusar de hábitos autodestrutivos, buscar apoio de pessoas que realmente possam nos ajudar (psicólogos, psiquiatras e bons amigos), cuidar da saúde física (boa alimentação, atividade física).

Alcides Guerra é psicólogo clínico e atua em Joinville

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